Medicamentos Mortais e Crime Organizado: Como a Indústria Farmacêutica Corrompeu a Assistência Médica

Peter C. Gøtzsche      sexta-feira, 4 de outubro de 2019

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Não tenho dúvidas de que a maioria dos médicos pratica a profissão na intenção de ajudar as pessoas que lhes procuram.

Da mesma forma, é razoável pensar que essa boa intenção se traduz frequentemente em um exercício intelectual que envolve todo o processo de cuidado, desde a identificação do motivo de uma consulta até a decisão de qual a melhor alternativa de tratamento, para aquela determinada pessoa, diante de um determinado diagnóstico.

Certamente também somos levados a crer que o processo de decisão acerca do tratamento mais apropriado leva em consideração o conhecimento que temos daquela determinada pessoa, nossa própria experiência e um certo domínio do saber científico.

Entretanto, como Peter Gøtzsche apresenta em sua obra, é notável que nós, médicos, estamos sendo cúmplices de um modelo de cuidados à saúde que causa mais danos às pessoas do que podemos supor e que é contrário às nossas melhores intenções.

Esse contrassenso prontamente nos causa grande desconforto, pois o processo de cuidado em que se baseia a medicina é dotado de uma lógica aparentemente robusta, e é justamente essa lógica que é colocada em xeque com os apontamentos que vão sendo feitos ao longo da obra.

O processo de manipulação dos dados de estudos científicos a fim de favorecer as intenções comerciais da indústria farmacêutica também fere outro valor essencial à medicina, que é o contrato social estabelecido com os pacientes: essa relação, fundamentada na confiança, tem por premissa uma ação benevolente, cujo objetivo primário é a melhora da saúde das pessoas. Ou seja, elas confiam seu maior bem – que é a sua própria vida – aos médicos.

Passam a utilizar medicamentos e submetem-se a procedimentos médicos com base nesse contrato social. Também é parte desse contrato social o envolvimento das pessoas como voluntários em estudos científicos.

Elas se sujeitam a utilizar uma nova droga, da qual a priori não se sabe exatamente nem os possíveis efeitos colaterais, porque entendem que assim estão ajudando a produzir conhecimento que poderá ser utilizado em benefício da saúde de muitas outras pessoas.

Entretanto, elas são lesadas nesse contrato na medida em que a indústria farmacêutica, sem que se saiba, controla os estudos científicos de forma a encontrar os resultados que lhe convém.

Por outro lado, o autor demonstra ainda que certos grupos da sociedade muitas vezes deixam o papel de vítima para assumir o papel de cúmplice dos crimes cometidos pela indústria farmacêutica.

Estamos falando especificamente das associações e grupos de pacientes portadores de uma ou outra determinada doença (por exemplo, associações de portadores de esclerose múltipla, de Alzheimer, de câncer ou de diabetes), que fazem lobby junto à população e, especialmente, junto aos governos, requerendo que sejam investidos recursos públicos em pesquisas científicas e na aquisição e distribuição à população dos insumos produzidos pela indústria. Fazem isso com base na sua imagem de credibilidade.

Entretanto, frequentemente há conflitos de interesse, recebem incentivos financeiros da própria indústria farmacêutica para assumirem determinadas posições.

Outro agravante abordado pelo autor de forma concreta e embasada em fatos, como o faz ao longo de todo o livro, é a corrupção das revistas científicas, que recebem recursos financeiros da indústria farmacêutica para publicarem os estudos científicos mais interessantes (aos propósitos da indústria).

O esquema fraudulento é feito de tal forma que essas revistas se tornam dependentes dos recursos oriundos da indústria, de modo que é difícil que um periódico científico sobreviva sem isso.

Infelizmente – e aí se encontra o agravo –, os médicos são largamente influenciados pelos resultados de estudos publicados nas revistas científicas, sendo possível demonstrar mudanças na prática médica a partir da publicação de determinados artigos, muitas vezes com prejuízo à saúde dos pacientes.

A prática da Medicina Baseada em Evidências pode ser entendida como uma maneira de se proteger do esquema corrupto organizado pela indústria.

Uma espécie de vacina contra os males que esse esquema causa na medicina.

Infelizmente, porém, é pouco provável que isso ocorra, pois, a Medicina Baseada em Evidências, como uma ferramenta, utiliza em sua base um conjunto de elementos que estão corrompidos em sua origem por esse esquema fraudulento. Não que devamos abandonar a Medicina Baseada em Evidências, pelo contrário.

Mas o autor nos ajuda a compreender que precisamos ir além.

No fundo, Peter Gøtzsche nos apresenta a esse cenário estarrecedor com o propósito de nos fazer um convite para uma prática médica em outro patamar de qualidade.

Uma prática médica baseada no pensamento crítico, na ética e na autonomia, na qual a transparência esteja invariavelmente presente e as premissas do método científico sejam respeitadas.

Uma prática profissional que abandona a posição de passividade diante da produção da ciência e que assume uma postura ativa na defesa da saúde e de uma medicina que venha antes dos interesses da indústria farmacêutica.


Apresentação feita por Daniel Knupp Augusto - Médico de família e comunidade.

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